- Check my paranoia -

quinta-feira, abril 25, 2002

Hoje não é dia de se escrever.
Vou postar um conto antigo da minha época de colégio na íntegra (não vou reescrever nenhuma parte, ou corrigir erros gramaticais).
O tema é amizade.
Primeiro de uma série de três.
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Conto - tema: amizade
fabiano tiba - nº 17 -3º colegial A
título: “pincelada”

“Hoje as pessoas vão morrer...
hoje as pessoas vão matar...
o espiríto fatal e a psicose da morte estão no ar...”
- Pato fu -



A singela manhã naquele parque parecia ainda mais estranha, o céu estava mudo e parecia que chorava, escuro e deprimido, as pessoas permaneciam ausentes, o clima atraiçoava todos, mas os dois meninos conversavam. Bem, conversavam não é bem o termo certo pois ainda que os dois se comunicassem, eles utilizavam apenas sinais e símbolos de seus próprios universos, a parte daquela manhã rude.
O menino mais velho sentava com as mãos em seu joelho, curvado e observava um pássaro que fazia divertidamente um passeio pelo céu. O outro apenas cantarolava, ao som de seu walk-man e nem percebia o que acontecia ao seu redor.
O fato é que o silêncio só foi quebrado quando o mais velho pronunciou do nada, algumas palavras ao vento...
- Sabe, Tim... gostaria de pedir um favor, como um amigo.
O pássaro estremeceu no céu, como que pressentisse, e se acolheu a seu ninho. Ao longe uma trovoada intimidava. A chuva estava para chegar, o clima era escuro, as trevas vinham abraçando. A garoa, inclusive, já umedecia as faces dos dois amigos, sentados, calmos. Na face dos dois, a chuva e as posteriores lágrimas já se misturavam.
O pássaro com essa penumbra toda, esta cinzeira toda do céu, tomava feições assustadoras. As árvores pareciam outras, como se tivessem acabado de nascer, negras, cínicas, traiçoeiras. O pássaro arrumava seu ninho, desordenado pela chuva e pelo vento. E se arrependia amargurado, mas a chuva estava vindo! Avançando e tomando espaço.
Os dois meninos continuavam a conversar, porém não fiquei a ouví-los, deixei-os com suas privacidades. Afinal, tratavam apenas de algumas formalidades.
Trovejou.
O pássaro, pela luz do raio, percebeu então finalmente o buraco em seu ninho. Quase caiu em desespero, e não agüentou, chorou, olhar flébil, cansado. A exaustão era tremenda.
- Por que não? Você acha que eu tenho medo da morte? Você não entende mesmo... eu tenho medo... - chorou em desabafo Mobi - não tenho medo de morrer, mas de apertar o gatilho..., - enxugou o rosto com as costas da mão e continuou - por isso lhe peço... me mate que eu não consigo!
Chovia torrencialmente já, e minha curiosidade crescia, a conversa tomava ares sérios. Os dois amigos ensopados continuavam ali sentados, chorando e falando, discutindo e morrendo, impassíveis ao resto. O pássaro saiu para voar enfrentando a chuva, enfrentando a própria realidade.
- Minha vida Tim... minha vida é um nada, uma coincidência... não há razões ou propósito para nada... Imagine o que é viver sentindo-se um zumbi, fazendo as coisas por fazer, sem que nada faça mais sentindo. - e disse isso com a sinceridade do mundo.
O pássaro voou, um século talvez, enquanto os dois discutiam, até que sentou em frente aos dois, em uma árvore. Seu coração batia. Naquele momento, Tim já estava convencido, Mobi estava certo. Qual era o sentido de tudo mesmo? A vida realmente não é nada, aquela chuva é ilusória, tudo é uma farsa.
O céu já começava a clarear, e no horizonte podia-se ver a luz do sol que brilhava apesar das nuvens. Mobi estava com a arma na mão.
- Sabe Mobi, o que eu vou lhe ensinar, nunca esqueça... que é lição para o resto da vida. Desculpe ser dessa maneira, mas só assim você entenderá. Eu faço isso por ser seu amigo.
O pássaro se limpava e observava a cena de longe. Mobi, então, armou o revólver e fez um gesto, confiando seu “suicídio” a Tim.
- Lembre-se: ter medo é bom! - concluiu Tim solenemente antes de pegar o revólver que o amigo lhe entregava.
O pássaro piscou fugindo da cena.
“Feche a porta, esqueça o barulho
feche os olhos, tome ar: é hora do mergulho
Eu sou moço, seu moço, e o poço não é tão fundo” - proclamou sábio o walk-man.

- NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO!
O corpo de Tim caia, o revólver na mão, o sangue espirrando, os olhos revirados. E o tiro, em uma daquelas coincidências que merece ser transformada em conto, acabou por acertar de raspão a asa do pássaro.
Mobi correu ao encontro do amigo e abraçou-o, manchando-se de sangue, e gritou ao berros, esgoelando-se de dor:
- TIM, SEU BURRO! O QUE VOCÊ FEZ? ERA PARA VOCÊ TER ME MATADO! Não... - disse Mobi em choro, afundando a mão na poça e na lama. Seu...burro... - e chorava e socava o corpo do amigo com raiva de tudo e se desesperava em feições diversas e despertava e ria e gargalhava e novamente chorava e parou.
O pássaro caiu no chão, e se contorceu querendo partir para terras distantes, deixando no parque a alma do menino. E o menino berrava, como se tentasse falar com alguém ausente, e novamente chorava pois tinha finalmente compreendido. Estendia o braço ao céu por tamanho pecado.
O walk-man enquanto isso falou a quem se dispusesse a colocar os fones:
“Super-homem não supera a superfície
Nós mortais viemos do fundo
Eu sou velho, meu velho, tão velho quanto o mundo... ”

E o pássaro aprendeu a andar.




“Já perdemos muito tempo brincando de perfeição
Esquecemos o que somos: simples de coração...”
- Engenheiros do Hawaii -